"Só mais essa, pai"


Um dia, isso já há alguns anos atrás, eu estava ajudando o meu saudoso "Paivô" em seus trabalhos rurais. Eu e meus tios fomos criados praticamente do trabalho de plantar colher, que meu avô realizava.

Ele plantava cana e aipim e, esse era o produto que pelo o qual ele tirava o nosso sustento. Lembro-me, muito bem, que eram caixas e mais caixas de aipim que ele vendia, a carroça com o cavalo Campeão saia lotada.

Seu Manoelino, como era chamado por seus amigos, saia com as macaxeiras e, com dúzias e mais dúzias de cana – de- açúcar.

E quando não havia cana em nosso plantio, papai comprava para revender. Assim, ele ia sustentando a família.

Eu devia ter uns seis para oito anos, e acompanha ele para o meio do canavial a fim de ajudá-lo a carregar as canas. Na verdade, eu ia com o papai, não só para ajuda-lo, mas porque eu sabia que quando fossemos realizar a entrega das encomendas, eu ia ganhar um ou dois copos de caldo de cana, um ou três pasteis de queijo.  Crianças... se sentem recompensadas com qualquer coisa.

Sabe, era muito gratificante ir com meu pai em cima daquela carroça repleta de cana. Era bom ouvi-lo assoviar e cantarolar enquanto íamos ao nosso destino.  Eu não entendia, e não sabia bulhufas do que ele cantava e assoviava, mas era gostoso ouvir...

Um dia, enquanto a gente arrumava as canas na carroça, ele me disse: _ “Chega Márcio! Já está bom deixa o vovô amarrar...”.

 Bem, eu não queria deixar uma só cana, ficar de fora da carroça, queria que todas fossem na viagem. Então disse a ele, “só mais essa, pai”. Eu estava animado, suado e todo sujo, e feliz por estar ajudando o meu pai.  Porém, não sei o que houve, o cavalo “Campeão” se espantou, e as canas rolaram para cima de mim.  Lembro que o velho deu grito: “Tá vendo teimoso”! No antanho, ele, ao mesmo tempo, veio me socorrer.

Meu avô era um homem ignorante no falar e no expressar, ele não tinha leitura, era um analfabeto.  E essa era a maneira dele dizer que, "me preocupo com você". Claro que, muitas das vezes, esse jeitinho sutil dele, assustava-nos. Mas sabíamos piamente que, ele nos amava.

Na verdade, a minha maior preocupação, naquele dia, depois deste incidente, era de ele não mais querer deixar que eu o ajudasse naquele trabalho. Pois, além de eu querer beber o caldo da cana, eu tinha uma outra preocupação mais séria.

Eu temia que alguma cobra o mordesse e, como sempre ele estava sozinho, ele poderia cair e ficar morto no meio do canavial.

Mas, para a minha alegria, o papai só me deu a bronca... E, nos anos que se seguiram, enquanto eu pude, sempre estava com ele no meio do canavial.  No entanto, quando ele dizia: "Já chega! ”, eu nunca mais insisti com: “Só mais essa, pai”.



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